O desafio de viver numa ilha
Foi em 2007, quando trabalhei num programa do Governo Federal para levar energia elétrica para as 12 milhões de pessoas que viviam no escuro no Brasil, que conheci uma ilha distante 10 quilômetros de São Sebastião, percorridos em 20 minutos em mar aberto e nem sempre calmo. Às vezes, o mar não deixava ir até a ilha, cujo desembarque se dá em grandes rochas, na falta de uma praia tranquila.
Moram ali cerca de 58 pessoas, muitas crianças, que dependem exclusivamente da pesca para sobreviver. As condições de vida eram precárias, muitas casas não tinham móveis, as crianças só podiam estudar até a quinta série, pois a única escola que existe no lugar, com apenas uma sala de aula e uma professora, não possibilita a complementação dos estudos. Como o acesso ao continente é difícil, muitas crianças param de estudar. Conheci uma menina que estava cursando a quinta série pela terceira vez, pois não queria largar os estudos. Ela gostava de ler e sempre me pedia para levar livros.
Deixei o projeto em 2010 para trabalhar na área editorial, onde estou até hoje. Em três anos, não consegui ver a energia elétrica chegar, pois os desafios eram enormes. O atendimento só poderia ser viabilizado por placas solares, que oferecem uma quantidade de energia limitada, especialmente para manter as geladeiras para conservar o pescado. A grande quantidade de dias nublados era outro empecilho para o atendimento da demanda energética da ilha, uma vez que as placas solares perdem eficiência quando o sol está encoberto, dependendo das baterias que, até hoje, não conseguem durar muito.
Não faz muito tempo que, enfim, as placas solares foram instaladas na ilha. Depois que sai do projeto, nunca mais retornei para lá. O lugar, as pessoas não me saíram da cabeça. Penso na ilha até hoje, e já me imaginei trabalhando como professor das crianças, atividade que exige a moradia na ilha, nas instalações da própria escola.
Hoje, véspera do jogo da semifinal da Copa entre Brasil e Alemanha, a Folha de SP fez uma reportagem sobre moradores de uma ilha em SP que desligam a geladeira para poder assistir o jogo de futebol na TV. Antes de ler, tinha certeza que esse lugar era a Ilha Montão de Trigo. Me emocionei vendo a reportagem, que compartilho aqui com vocês.
Mesmo sabendo que a situação continua precária, fico contente que o meu trabalho ajudou de alguma forma essas pessoas a ter uma geladeira em casa, pois quem trabalha com pesca sabe da importância de conservar o alimento para poder vender. É pouco para uma comunidade que necessita de tantas outras coisas, não apenas de energia elétrica para assistir o jogo do Brasil. Espero que seja um começo de outras tantas conquistas.